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Archive for the ‘Contos’ Category

Quase encontros

 

 

Quando a porta do elevador abriu no quarto andar daquele prédio cinza e alto, ela estava tão extasiada por causa da notícia que havia recebido cinco minutos antes que o cumprimentou com um sorriso afetuoso e sincero – como os que costumamos oferecer aos nossos melhores amigos – quando ele entrou no elevador e parou ao seu lado.

Só depois se deu conta de que não eram mais amigos há um bom – e considerável – tempo.

E só mais depois ainda lembrou como deixaram de ser amigos. Alguma conversa boba que terminou de forma trágica. Uma daquelas costumeiras – e quase rotineiras – discussões que preenchiam seus dias úteis e inúteis se prolongou além do que deveria. Ou foram eles que se exaltaram mais do que poderiam. Ou algo que ele disse, ou que ela respondeu. Ou não respondeu. Já não lembrava muito bem. Fazia muito tempo. Só lembrava que era ela que tinha a razão no final das contas.

Daí ficaram naquele silêncio estranho enquanto o elevador descia. Evitavam olhares e culpas.

Chegaram ao térreo. Ela sai sem olhar para trás.

Em menos de dois minutos, pisou com o seu salto alto fora do prédio enquanto remexia a bolsa procurando as chaves. Encontrou, sem querer, aquele batom rosa retrô que procurava há dias.

Parou com o batom na mão e sentiu saudades daquele que deixou para trás no elevador. Mas era comum. Vez ou outra sentia saudades dele. Não tinha raiva, mágoa, nem fotos dele.  

Sentia até vontade de voltar a ser amiga dele. O problema é que ela lembrava que era ela quem tinha a razão na discussão. E o maldito não admitia e nem pedia desculpas de jeito nenhum. Ele era teimoso que só. E ela não arredaria o pé.  Abriu a porta do carro.

Se ele não fosse tão teimoso…

Suspirou e fechou a porta do carro como quem não tem escolha. Ligou o carro e acelerou pra pegar o sinal ainda aberto.

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“Eu já o conheço há bem uns oito anos. .Ele estava de passagem por lá numa viagem de férias. Conversamos e ficamos por alguns dias. Logo ele foi embora para Brasília e eu nunca mais tive notícias dele. Ele sabia meu nome e onde eu morava, mas eu não sabia nada além do nome dele. Ficamos cinco anos sem nos ver e, durante este tempo, namorei outros meninos. Mas nunca consegui esquecer ele. Um dia, cheguei a conclusão que não dava mais para viver assim. Então, eu adicionei no messenger um endereço de e-mail que eu imaginava que pudesse ser o dele. Quando ele apareceu online, só mandei uma mensagem dizendo “acertei?”. E ele respondeu: “Gilberta?”. E já se passaram três anos juntos desde então…”

 

 

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Mistério na montanha

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Minha primeira tentativa de escrever um conto de suspense/terror foi algo mais ou menos assim:

Cinco patinhos foram passear, lá além das montanhas distantes para brincar. A mamãe chamou “quá-quá-quá-quá”, mas misteriosamente somente quatro patinhos voltaram de lá.

Dias depois, quatro patinhos foram passear, além das montanhas para brincar. A mamãe novamente chamou “quá-quá-quá-quá”, mas só três patinhos voltaram de lá.

Alguns dias mais tarde, três patinhos foram novamente passear, ainda além das montanhas para brincar. A mamãe tensa chamou “quá-quá-quá-quá” e somente dois patinhos voltaram de lá.

Semanas depois, dois patinhos insistentemente foram passear, de novo lá além das montanhas para brincar. A mamãe já sem saber o que fazer, chamou “quá-quá-quá-quá”, mas só um patinho voltou de lá.

Tempos depois, um patinho foi de novo passear, além das montanhas para brincar. A mamãe chamou “quá-quá-quá-quá”, mas nenhum patinho voltou de lá.

* Momentos de tensão e musiquinha de suspense*

A mamãe patinho foi procurar, além das montanhas, os cinco patinhos na beira do mar. A mamãe gritou:

– quá, quá, quáááááááááááááááá…

Silêncio.

*Fim*

Não entendeu? Clique aqui.

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“Era formatura do meu amigo. Você precisava ver o lugar, tudo perfeito. Logo na entrada, um enfeite imenso todo feito de bambu, flores e velas. Bem no meio do enfeite, tinha apenas uma flor diferente. Era somente ela se destacando de todas as outras. Eu me aproximei, levantei o braço para pegar essa flor. Acho que era essa flor que segurava o arranjo inteiro. Na mesma hora que puxei, tudo começou a ruir. Os bambus começaram a cair um a um. Tentei segurar de um lado, segurar do outro, e tudo desmoronando ao meu redor. Quando eu percebi que não tinha mais jeito, soltei e deixei tudo cair.

E fiquei assim, parado, vermelho de vergonha com a flor na mão e os bambus caídos, com todas as pessoas olhando para mim. Após cinco minutos do mais absoluto silêncio, ouço mais barulho de bambu caindo. Já estava desesperado pensando que os enfeites ainda estavam ruindo, quando olho para trás e vejo meu amigo, um pouco maior que um gnomo, com um bambu na mão batendo e derrubando o resto dos enfeites.

– tá doido?

– é pra você não ficar sem graça sozinho…

Enquanto isso, meu amigo formando estava conversando com o diretor do colégio quando ouviu os primeiros bambus caindo. Os dois se viram e o diretor pergunta:

– Quem é aquele doido?

– Ah… meu amigo…

Voltam a conversar e, de repente, mais barulho de bambu caindo. Os dois se viram e vêem o amigo, um pouco maior que um gnomo, derrubando o resto dos enfeites portando um bambu em suas mãos. O diretor se pergunta novamente:

– Quem é esse doido?

– Ah… meu amigo também…

 

Então, meu amigo um pouco maior que um gnomo, após derrubar o restante dos enfeites, vem em minha direção, coloca o braço no meu ombro e diz:

– Não se preocupa, moleque! Ninguém vai nos expulsar daqui.

E saimos andando juntos da festa, enquanto as vozes voltavam a preencher o local e os seguranças vinham em nossa direção.

 

E até hoje encontro vestígios de parafina no meu terno.”

 

 

 

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E por onde passava, a menina que contava estórias distribuía fatos e acontecidos de sua vida e enredava as pessoas de seu caminho em suas narrativas repletas de aventura, paixões e imprevistos.

E foi assim que acabou se apaixonando por um homem casado e todos ouviam atentamente e acompanhavam semana a semana o desenrolar do tórrido caso de amor.

E os que começaram suspirando ao ouvir lindas declarações de amor, agora escutavam aterrorizados sobre ligações de ameaça que ela recebia da esposa-traída-descontrolada em seu celular diariamente.

O final da estória, ninguém soube. Pois logo, todos esqueceram por conta de uma grande viagem que logo ela faria pela Europa. Mochila nas costas, mapa na mão e o coração pulsando de coragem e um francês treinado a base de Carla Bruni – pra algo deveria servir. E passaram todos as quatro semanas ansiosos com os preparativos: pousadas, trajetos, euros e até um namoradinho virtual.

Mas, pra decepção de todos, a viagem não aconteceu. Contava ela que havia descoberto uma organização não-governamental que desenvolvia projetos para salvar os golfinhos do oceano pacífico – e no pacífico tem golfinhos? – da ameaça de extinção por conta da ambição desmedida do homem branco. Se bem que hoje já é o homem branco, negro, amarelo, pardo, rosa e laranja que destroem o meio ambiente, com exceção do homem verde. Esse é aquele que se acorrenta a árvores e navios para salvar o planeta dos homens de outras cores!

Pois bem, contava ela que pra salvar os golfinhos, resolveu doar o dinheiro da viagem para a tal OnG. Afinal, os golfinhos eram mais importantes que uma viagem ao estilo “albergue espanhol”. Era jovem ainda e teria muito tempo pela frente para tal aventura. E todos aplaudiam e se emocionavam com o coração tão grandioso de menina tão nova ainda! Com certeza fará outras viagens.. tão nova ainda! E com esse coração.. há de chegar longe nessa vida! Todos repetiam enquanto voltavam aos seus afazeres após longos minutos enredados em estórias.

E ninguém sabe dizer quantas estórias ouviu nesses anos todos da boca da menina que contava estórias. Alguns dizem dezenas, outros dezenas de dezenas.

Mas a menina que contava estórias não se preocupava em contar – numericamente – as estórias que contava. Apenas contava e se emocionava. Partilhava em detalhes a novela – muitas vezes mexicana – que era sua vida.

Um dia, vestida com uma saia amarela, ouviram a menina que contava estórias mais uma vez com riqueza de detalhes e expressões. Mas no outro dia, nem a saia amarela, nem a menina que contava estórias foi vista pela cidade.

E por muitos dias, todos sentiram a falta da saia amarela e das palavras da menina que contava estórias. Ah, como ela contava estórias bem! Todos paravam o que estavam fazendo para ouví-la. Eram seus quinze minutos de encantamento.. muito melhor que a novela da oito de agora! Caminhos da Índia? Quem quer saber de índia? Índia é coisa pra cacique! Mil vezes a menina que contava estórias. Ela sim sabia contar estórias.

Do sumiço da menina que contava estórias, outros contadores de estórias surgiram. Cada um contava uma estória sobre o sumiço da menina que contava estórias. Um dizia que teria fugido com o homem casado para algum cidade com mar – afinal, ela adorava o mar! Outro dizia que ela teria, enfim, feito a viagem dos sonhos dela pela Europa. Estaria ela agora em Paris, tomando um capuccino enquanto passeava pelas ruas ao som de Piaf.. ou seria de Carla Bruni ainda? Já outra dizia que ela teria se tornado verde e estaria acorrentada a algum navio para salvar os golfinhos – baleias ou afins – da devastação da natureza pelos homens de outras cores.

Fato é que a menina que contava estórias nunca mais foi vista.

Ou nunca mais foi reconhecida.

Agora ela andava calada. Passava silenciosamente e ninguém lhe reconhecia sem aquele sorriso largo e as palavras lhe saltando da boca. Ninguém percebia sequer sua saia amarela, agora tão silenciosa como ela.

Como acontece a todos os escritores, a menina que contava estórias não soube mais inventar suas estórias. Tentava e tentava e tentava sem fim.. mas nada de novo lhe ocorria.

Talvez as pessoas que agora contavam sua estória, houvessem lhe roubado a inspiração. Talvez a vida que ela tenha inventado a si mesma em suas estórias, tenha se silenciado com a vírgula que se tornara um ponto em sua vida.

Quem era ela?

De tanto criar estórias de si mesma e sobre si mesma, perdera se de si. Ou talvez nunca tivesse de fato sido ela mesma. E essas dúvidas a impediam de inventar novas estórias. E sem suas estórias inventadas, ela não sabia quem era.. tornara se escrava de sua própria invenção.

Ninguém a reconhece. Mas ela continua ali, com sua saia amarela, no meio da multidão, ouvindo as estória que agora outros contam sobre a menina que contava estórias, tentando encontrar nas estórias de outros, a estória de si mesma.

Mas o problema das estórias, é que nunca sabemos quantas colheres de fatos e quantas xícaras de ilusão são necessárias para se criar uma estória boa.

A menina que contava estórias, presa em seu silêncio, se vê agora em sua própria e única companhia, sentada no meio de outros, tentando descobrir as verdades sobre si em meio as estórias de outros contadores de estórias.

E em meio a todos, também se perguntava: o que teria acontecido com a menina que contava estórias?

 

 

 

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Amores de estação – II

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– Pô, me amarrei no livro do Sartre.

Como assim? Ela olhou melhor para aquele garoto que ainda tinha espinhas na cara. Só ela gostava de Sartre. Ou ao menos, gostava de imaginar isso. Tudo bem. Outras mil pessoas gostavam de Sartre. Mas.. um adolescentezinho gostar de Sartre?

– Você “conseguiu” entender?

– Ah, é aquela vibe do existencialismo, da liberdade. Pô, mô responsa. Cada um faz a sua, afinal, não tem essas paradas de natureza humana.

Bom, o que quer que todas essas palavras quisessem dizer, parecia fazer sentido. Olhou mais atentamente aquele garoto enquanto ele balançava a cabeça ao som de algum mp3 que tocava no seu iPod. Deveria ter o que? Uns dezoito, dezenove. Isso daria uma diferença de idade de cerca de.. doze anos!! Não, não.

– Você estuda?

– Tô na facul. Primeiro ano de ciências sociais. Meu, quero mudar o mundo. Boto mô fé na revolução. Essa coisa de Igualdade, liberdade, fraternidade, sacô? Fico até arrepiado, bota fé?

É. O jeito dele falar a incomodava um pouco. Ela não sacava tão bem, nem botava tanta fé. Mas ele era bonitinho de tudo. E ainda gostava de Sartre. Até era legal ficar ali, sentada naquele muro baixo, logo ali na calçada agitada, conversando com ele. Melhor que sair com o Augusto. Como o Augusto a cansava. Era um bom partido, sabia disso. Boa educação, bom emprego, maduro (ou deveria ser pela idade), razoavelmente inteligente. Mas o jeito como ele cruzava as pernas toda vez que saíam juntos.. ela simplesmente odiava. Sentia uma raiva incontrolável. Mas Augusto, tranquilo como sempre, parecia (por sorte, ou não) não perceber as faíscas de ódio e reprovação que saiam dos seus olhos a cada cruzada de perna.

– Curto muito também o David Lynch, sabe quem é o cara, né? Pô, o cara manda bem pra caramba!

– É…

Cada vez ele parecia mais bonitinho, mais interessante aos olhos dela. Ela até sentiu que estava começando a sacar as paradas e a botar fé nisso tudo. E afinal, hoje era tão comum casais com uma certa diferença de idade. Toda semana era uma artista quarentona com um garotão de vinte e poucos. E ela não tinha nem quarenta. Estava começando os trinta. E ele parecia estar quase nos vinte. Lembrou de um punhado de amigas que já tiveram namorados mais novos. Lembrou também que fizera piada delas com outras amigas. Vida bandida!

Ele olhou nos olhos dela e sorriu. Aquele sorriso gostoso que ela não soube decifrar até onde era ingenuidade, até onde malícia. Talvez ela fosse a primeira mulher dele. Mulher de verdade, não aquelas sósias de Avril Lavigne (na melhor das hipóteses) ou daquela ruiava do Rebelde (na pior das hipóteses). Já estava imaginando a trilha sonora deles: a música “garotos” cantado por Lenine e Caetano Veloso.

“garotos não resistem aos seus mistérios,

garotos nunca dizem não,

garotos como eu sempre tão espertos

pertos de uma mulher

são só… garotos”

 E a melodia tocava sem parar na mente dela. Já estava a balançar a cabeça no ritmo da melodia. Imaginava eles de mãos dadas correndo pelo parque, dividindo um sorvete no domingo a tarde, assistindo David Lynch abraçados no sábado de noite.. tudo isso com o fundo musical de “garotos”. Foi quando uma voz a trouxe de volta a realidade.

– Ei, ei! Psiu!

– Oi?

– Minha hora do inglês! Vô vazá.

– Certo!

– Gostei de você!

– Também gostei de você!

Sorriu para ele ao som de melodias românticas como em cenas de comédia romântica que ela tanto gostava, apesar de não admitir para ninguém. Essa era a cena da despedida, quando os olhares demorariam a eternidade dos que não querem se afastar por um minuto. Aquele momento que precede o beijo.

– Valeu!

Ele já estava se afastando com a mochila nas costas, sempre no ritmo de alguma música que ela desconfia ser o tal do “black music” ou algo parecido que tocava no seu ipod.

– Ei!

Ele continua se afastando.

– Eeeeiii!!

Ele para, olha para trás. Tira um dos fones e sorri.

– A gente se esbarra por aí. E diminui o som disso ou vai acabar surdo.

– Podexá!

– Andando desligado desse jeito vai acabar sendo assaltado!

Ele deu uma última olhada, fez um quê de sorriso e gritou enquanto se afastava.

– Tá igualzinho minha mãe!

Ela sorriu. E lá ela tinha idade para ser mãe de um marmanjão desses? Não! Ele não entendia Sartre! Alguém que realmente entende Sartre não seria capaz de uma indelicadeza daquelas. Não, não merecia isso.

Sentiu seu sorriso prestes a desmoronar. Ainda acenou elegantemente para ele enquanto tentava lembrar do telefone da revendedora Avon. Decidiu que saltaria para a próxima faixa etária do Renew. Isso que estava só próxima dos trinta. Vida bandida!

 

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Carta sem destinatário – II

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Partirei mesmo querendo estar ainda junto por mais um segundo. Viver por mais um momento em tudo o que não chegamos a ser. Partirei na ponta dos pés tentando ouvir sua voz me pedindo para voltar. Para me contar que eu tinha você em minha vida sem ser no faz-de-conta, que tudo não passava de um medo bobo e sem sentido.

 

O tempo que você tinha para entrar por essa porta e mudar a minha vida se passou e nada mudou. Nada ficou no lugar e eu quero quebrar essas xícaras cheias de ilusões coloridas e doces que tomei nos dias que fomos quase nós.

 

Pensarei um pouquinho menos em você a cada manhã e estarei menos presente a cada estrela. Mesmo que cheia de saudades, serei forte o bastante para não procurar você. De tanto ser pela metade, fiquei metade. Hoje junto cacos de mim entre lembranças doces e cheiro de tardes de conversa.

 

No fim, estranho mesmo seria se eu não tivesse me apaixonado por você e o que ainda ouço são as gírias do seu vocabulário em conversas que não terminamos no dia de ontem e ficaram para o hoje de ontem, amanhã de hoje.

 

E não quero te ver triste nunca. Lembre-se sempre de que no mundo tem alguém que diz que, mesmo longe, tanto gosta de você e te guarda em versos, sorrisos e o som de mensagens indo e vindo em suspiros e sonhos de leite condensado, outros dias de doce de leite.

 

Não quero beber o teu café pequeno ou você fora do seu tempo, mas tenho pressa de vida, quero tudo ter estrela, flor, estilo, o mundo de ponta-cabeça e a vida por inteiro.

 

Por isso saio sem fazer barulho, guardando em segredo que ainda te gosto. Ao longe cuidarei escondida, procurando estrela cadente no céu para fazer desejo que ela te proteja de todas as dores. Gosto de imaginar que consigo te guardar num mundo que inventei em um tempo em que a maldade ainda não tinha nascido.

 

E se ainda for possível, e se na vida tudo não valeu, eu ainda vou procurar você pra dizer que não deu certo, não bonito e nem correto, mas que a vida é mesmo assim.

 

Saudades.

 

 

Pitadas de Adriana Calcanhoto, Zeca Baleiro, Chico Buarque e Wado ainda na época do Realismo Fantástico.

 

 

 

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Carta sem destinatário

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Embrulho em papel marchê e guardo em silêncio num fundo de armário ou numa posta-restante, esse amor sempre amável para futuros amantes se amarem, sem saber, com o amor que um dia eu deixei pra você.

 

E em outro tempo, viverão tudo o que um dia imaginei e sonhei com você.

 

 

Pitadas de João Bosco e Chico Buarque

 

 

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Devaneio em sonhos – Parte III

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Acordou quando ainda era madrugada. Já fazia alguns dias que estava tendo dificuldades para dormir. Acordava várias vezes durante a noite. Virou-se na cama e não havia ninguém ao seu lado. Pelo jeito, ele continuava passando as noites sem conseguir dormir.

Ficou mais cinco minutos deitada sem se mexer, tentando recuperar o sono perdido. A cidade a oprimia com o silêncio que apenas os bons são merecedores. Todos pareciam dormir sem se importar com o silêncio que invocava tormentas e angústias em sua mente. Mas sabia que não era só ela. Eduardo também não dormia.

Levantou-se silenciosamente, vestiu um casaco e seguiu para a sala. Avistou Eduardo encostado na janela, fumando silenciosamente enquanto permanecia imóvel observando algo na cidade.

– Eduardo..

Ele se assustou e virou com os olhos de alguém que foi bruscamente tirado de algum lugar distante.

– O que é que está acordada a essa hora?

Talvez a mesma coisa que ele. Deixou o seu olhar parado no dele.

– Acordei e perdi o sono..

Ele sorriu e voltou a olhar pela janela.

– Deita que logo você adormece

– Pois você deveria fazer o mesmo

Ele se calou e continou a fumar seu cigarro silenciosamente enquanto ela permaneceu em seu silêncio sentada no sofá. Ele sabia tanto quanto ela que não adiantava simplesmente deitar. Era a alma que não adormecia.

– Bruna..

Ele a chamou sem olhar em sua direção. Permanecia com o olhar perdido pela janela.

– Que foi?

– Estive pensando..

Um silêncio pesado se fez entre os dois. A tensão era palpável.

– Pensando sobre?

– Não sei como te dizer..

Ela hesitou em perguntar, pois não tinha certeza se gostaria de ouvir. Ele hesitou em falar, pois não tinha certeza se deveria falar.

– Fala..

– É sobre a gente.

Ela sabia. Quando ela sentou na sala, já sabia que isso aconteceria inevitavelmente. Olhou para a frente e deixou seu olhar se perder no branco da parede.

– Não sei como começar.. como explicar..

Ela permanecia concentrada na brancura alva daquela parede. Como podia aquela parede tão branca? Olhava atentamente e não se via uma mancha, um resquício de sujeira.. branco puríssimo..

– Bruna.. tenho pensado muito em tudo o que está acontecendo..

Aquela pureza tocava o seu coração. Branco. Qual seria o nome daquele branco? Branco gelo? Branco puxado pro creme? Quantas tonalidades de branco eram possíveis? Lera uma vez que os esquimós conseguiam distinguir algo em torno de dezessete tonalidades de branco. Onde foi que lera isso mesmo?

– Isso não está certo.. não estou sendo bom para você…

Aquela parede branca e sólida a sua frente. Por que nunca antes tinha reparado nela? Aquele branco lembrava neve.. apesar de nunca ter visto neve na vida. Mas pelas fotos, a neve deveria ter um branco parecido com esse que estava a sua frente. Dizem que o branco é a mistura de todas as cores. Estranho todas as cores vivas e fortes misturadas resultarem naquele branco tão calmo e neutro..

– Bruna.. talvez você não entenda agora, mas eu sei que no fundo você também sabe que será melhor assim..

Percebeu uma leve fissura no canto esquerdo, bem próximo ao teto. Ou seria um risco de sujeira? Não dava para distinguir pela distância. Numa primeira olhada, o branco era perfeito em toda a sua extensão. Aquela coisa que parecia uma fissura parecia desaparecer de acordo com o ângulo com o qual observava a parede. Engraçado isso. Tantas coisas na vida parecem diferentes dependendo do ângulo com o qual as observamos. Assim como a parede de branco neve.

– Espero que você possa me entender e possamos ser amigos..

Gostava daquela parede branca. Decididamente, sua casa teria todas as paredes brancas. Paredes brancas não ocultam coisas. A sujeira não se oculta, muito menos a poeira. Deveria ser trabalhoso manter uma parede branca sempre limpa. Talvez fosse mais fácil um vermelho berrante ou verde água. A sujeira não apareceria tanto. Cores mais alegres e vibrantes que ocultavam pequenas sujeiras de forma despercebida a nossos olhos. Mas não era preferível a pureza reveladora do branco à falsa imagem de perfeição das cores demais?

– Bruna.. você está me ouvindo?

O alto preço do branco. Estaria disposta a pagar por isso? Não sabia. Talvez a vida fingida fosse mais simples e menos desgastante. Mas não seria ao mesmo tempo mais vazia?

– Bruna..

– É por causa de Amanda, não é?

– O quê?

– Amanda! Sua ex.. é por causa dela, não é?

– Por que diz isso?

Queria o branco ou alguma das cores diversas em sua vida?

Já sabia a resposta. Já o sabia há muito tempo. Talvez mais tempo do que ela gostaria. Faltavam apenas as justificativas para si de sua escolha. Ou a coragem para arcar com as consequências dessa escolha. Ou tempo para se sentir preparada. Talvez nada disso, talvez a soma de tudo isso. Medo. Sentia muito medo.

– Eu sempre soube..

– Soube do quê? Do que está falando?

O branco transmitia paz à sua alma. Ainda sentia medo. Não estava preparada. Mas na vida, não há tempo para isso..

– Nas noites que você acorda no meio da madrugada.. suas noites de insônia.. você chama por ela enquanto sonha..

Por várias vezes, chamava por ela em seus sonhos. Nunca imaginou que Bruna ouvia seus chamados por Amanda. Há quanto tempo ela já sabia?

– Eu sempre soube, Eduardo..

Ela parecia estar lendo seus pensamentos.

– Bruna.. olha.. não é o que você está pensando..

Uma brancura tomava conta de seu ser. Era um branco neve. Gelada, assustadora. E o gelo a estava anestesiando aos poucos. Nada mais importava. Já não havia volta. Apenas prosseguir.

– Eduardo.. eu estava disposta a esperar o tempo que fosse necessário..

– Bruna..

– Sabe de uma coisa? Você é um idiota! Eu estive esperando por você. Não tinha pressa.

Ele não sabia o que dizer. Havia imaginado as coisas de forma diferente.

– Eu esperaria toda a vida por você. Mas você não teve paciência. Não soube ver.. Idiota!

Ela levantou-se e foi até o quarto. Calmamente, vestiu suas roupas. Seu rosto era sereno. A neve a havia congelado por dentro. Não sabia como faria depois que o gelo derretesse. Mas isso já não importava. Já não havia mais volta. Pegou sua bolsa, olhou no relógio. Seis e meia. Se corresse um pouco, daria para tomar o café da manhã na padaria na esquina do trabalho. Olhou-se no espelho, arrumou o cabelo e seguiu até a sala.

– Bruna.. desculpa..

– Obrigada, Eduardo.

Ele ficou observando ela fechar a porta atordoado. O que fizera?

– Bruna!!

Correu até a porta. Ela já não estava lá. Ouviu o som do elevador descendo. No tapete de sua porta, ela havia deixado as chaves do apartamento.

– Bruna..

O que acabara de fazer?

Droga! Droga! Droga! Correu até a janela. Não a viu pelas ruas. Onde estaria? Pensou em ligar no celular dela. Correu até o quarto. O seu celular. Onde deixara seu celular? Procurou por cima de suas roupas espalhadas pelo chão, ao lado do computador. Não encontrava em lugar nenhum.

Droga! Droga! Angústia. Sentiu uma angústia incontrolável. Bruna.. por que você se fora? Idiota! Ela tinha razão. Era um idiota! Um completo idiota!

Idiota! Idiota! Ficou a repetir para si mesmo. Sentia-se sozinho. Queria gritar, mas sabia que ninguém ouviria. Estava sozinho. Deixou seu corpo cansado desabar sobre a cama. Idiota! Sou um idiota! Completo idiota!

– Bruna.. volta pra mim..

Chamava por ela. Sozinho. Jogado na cama.

– Bruna…

Em sua mente só ouvia a voz de Bruna repetindo: idiota! Fechou os olhos e se entregou à dor.

 

 

Devaneio em sonhos – Parte II

Devaneio em sonhos – Parte I

 

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Alcançou a calçada quando sentiu uma mão em seu ombro.

– Amanda!

Reconheceu a voz. Não, ele não. Qualquer pessoa, exceto ele. Virou-se.

– Ah.. oi, Eduardo..

– Estava passando por aqui quando te vi!

Era mentira. Estava há mais de três horas sentado na padaria do outro lado da rua, esperando ela sair da aula de teatro.

– Ah, ta..

– Legal você ainda estar fazendo as aulas.. você leva jeito, sabe disso, não?

– É.. vamos ver no que dá..

Já estava se preparando para se despedir e seguir o seu caminho quando ele pareceu adivinhar seus pensamentos.

– Está indo pra onde?

Estava indo para casa. Mas por algum motivo, achou melhor não dizer a verdade.

– Pra casa da Rafa.

– Puxa, faz tempo que não vejo a Rafaela.

– Pois é.

– Eu te levo até lá.

– Precisa não, Eduardo. Eu vou andando.

– Não, não! Faço questão!

Sim. Estava passando por aí DE CARRO quando a viu! Pelo jeito, Eduardo continuava o mesmo. As mesmas mentiras tolas, as mesmas mancadas e a mesma falta de cuidado para não deixá-las vir à tona. Já o havia alertado várias vezes para parar de mentir, já que se perdia em suas próprias mentiras.

– Não precisa, Eduardo.

Insistiu tanto que ela acabou cedendo. No carro, ficou observando a janela, mas não era a paisagem que estava vendo.

– E o que anda fazendo, Amanda?

– Nada demais, Eduardo..

– Sabe.. sinto sua falta..

Ela não respondeu e continuou olhando a paisagem refletida na janela do carro. Ele continuou.

– Tenho pensado muito em você.. tenho até sonhado com você algumas vezes..

Se ela pudesse acreditar nele. Poderia até ser verdade. Poderia ser que sentisse falta dela, pensasse nela, sonhasse com ela. Mas e aí? Ficou com vontade de perguntar da namorada. Ficara sabendo dela pouco tempo depois que terminaram. Afinal, o que ele queria dela?

Diria que sente saudades, que pensa muito nela e ela acreditaria, relembrariam bons momentos que passaram juntos, talvez até ficassem novamente. Depois ele viria com aquela conversa de “você sabe que não tem como dar certo”, e talvez até dissesse “eu gosto de verdade da menina que estou namorando agora”. Então, por que diabos ele vinha, de novo, interferir na vida dela desse jeito, bagunçando tudo?

Permaneceu em silêncio, imersa em seus pensamentos. Odiava tudo isso. Odiava a maneira como ele falava como se tudo fosse a mais pura verdade. Odiava a maneira como ele agia, e sempre agiu, com ela. O fim, ela já podia adivinhar. Ele vinha com essas tormentas, alvoroçando tudo. Remexendo, misturando, criando, ressuscitando… sentimentos, lembranças, cheiros, fatos, sonhos e ilusões. E quando ela estivesse perdida nesse redemoinho, ele desapareceria. Ficaria apenas o silêncio e o estrago. De novo e de novo. Repetidas vezes. Como tempestades de verão. Quantas vezes ela permitisse, tantas vezes ele voltaria e destruíria a serenidade de sua alma.

Chega, Eduardo, chega! Não há mais como. Sentir falta, ela também sentia. Mas não do Eduardo que estava agora ao seu lado dirigindo. Era saudade de um Eduardo que ficara no passado. De momentos bons que passaram há muito tempo atrás. Tempos que não voltam e não se revivem. Agora ela sabia por demais os defeitos e faltas de seu jeito, já se perdera demais em suas mentiras, já chorara demais por tantas palavras não ditas. Já não havia mais como fantasiar..

Virou-se e ficou a observar o motorista ao seu lado. Era o mesmo cabelo, o mesmo penteado, os mesmos olhos. O mesmo jeito de dirigir, o mesmo jeito de mexer no volante, de batucar com os dedos por conta do nervosismo, de se olhar no retrovisor buscando respostas para si mesmo. Estava tudo do mesmo jeito de quando o conhecera, há mais de quatro anos atrás.

Um silêncio de mais de quatro anos parecia pairar entre eles. Aquele silêncio carregado de significados. Cada qual perdido em seus próprios pensamentos e medos.

– Está esfriando.. o inverno chegou mesmo..

– É, Eduardo..

O inverno já havia chego há muito tempo no mundo dos dois. Já não havia mais nada além de gelo entre eles. Um gelo daqueles bem silenciosos e pesados. Bem diferente da primavera florida ou do verão despido que passaram juntos.

Chegaram em frente ao prédio da Rafaela. Ele estacionou o carro. Olhou para ela.

– Obrigada pela carona, Eduardo.

– Era o mínimo que podia fazer..

– Mesmo assim, obrigada

– De nada..

– Tchau.

– Tchau, Amanda..

Ela saiu do carro sentindo que ele ainda queria dizer-lhe algo. Ele a viu fechar a porta sentindo que ainda havia tanto o que falar a ela. Viu ela se afastar, sem olhar para trás.

– Desculpa, Amanda. Desculpa por tudo.

Repetiu sozinho no carro, sem ela ao seu lado para lhe ouvir. Sem aquele olhar cheio de ternura que tanto o perdoara no passado, sem aquele sorriso que dizia que tudo estava bem e que ainda eram um do outro. Ficara apenas aquele cheiro de condicionador que sempre a acompanhava. Cheiro de “acabei de sair do banho”. Aquele cheiro tão dela.

Amanda seguiu em frente, sem hesitar, sem olhar para trás. Passou pela portaria, cumprimentou o porteiro, parou em frente ao elevador. Sabia que ele ainda estava lá fora, dentro do carro. O que será que ele parecia querer dizer a ela?

Já não importava. Não olharia para trás, não voltaria. Não mais. Pegou o celular e discou.

– Alô?

– Gustavo?

– Oi, Amanda!

– Gustavo, você está ocupado?

– Que foi? Aconteceu algo?

– Só saudades..

– Onde você está?

– Vem me buscar na Rafaela.

– Chego em cinco minutos.

– Beijos

Desligou o celular com o coração apertado. Nunca precisara tanto de um abraço de Gustavo como naquele momento.

Enquanto isso, Eduardo dirigia de volta para sua casa. Ainda sentindo aquele cheiro dela em seu carro. Aquele cheiro que tanto perfumou seus dias e suas noites. O cheiro que agora voltava sempre em seus sonhos. Mas era só o cheiro. Estava sozinho no carro. Quis voltar para a casa de Rafaela. Tentar outra vez.

Não. Melhor não.

Já não havia mais como.. não enquanto ainda fosse inverno..

Seguiu sozinho para casa pensando nela, enquanto ela abraçava Gustavo pensando nele.

Devaneio em sonhos – parte I

 

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