Acordou quando ainda era madrugada. Já fazia alguns dias que estava tendo dificuldades para dormir. Acordava várias vezes durante a noite. Virou-se na cama e não havia ninguém ao seu lado. Pelo jeito, ele continuava passando as noites sem conseguir dormir.
Ficou mais cinco minutos deitada sem se mexer, tentando recuperar o sono perdido. A cidade a oprimia com o silêncio que apenas os bons são merecedores. Todos pareciam dormir sem se importar com o silêncio que invocava tormentas e angústias em sua mente. Mas sabia que não era só ela. Eduardo também não dormia.
Levantou-se silenciosamente, vestiu um casaco e seguiu para a sala. Avistou Eduardo encostado na janela, fumando silenciosamente enquanto permanecia imóvel observando algo na cidade.
– Eduardo..
Ele se assustou e virou com os olhos de alguém que foi bruscamente tirado de algum lugar distante.
– O que é que está acordada a essa hora?
Talvez a mesma coisa que ele. Deixou o seu olhar parado no dele.
– Acordei e perdi o sono..
Ele sorriu e voltou a olhar pela janela.
– Deita que logo você adormece
– Pois você deveria fazer o mesmo
Ele se calou e continou a fumar seu cigarro silenciosamente enquanto ela permaneceu em seu silêncio sentada no sofá. Ele sabia tanto quanto ela que não adiantava simplesmente deitar. Era a alma que não adormecia.
– Bruna..
Ele a chamou sem olhar em sua direção. Permanecia com o olhar perdido pela janela.
– Que foi?
– Estive pensando..
Um silêncio pesado se fez entre os dois. A tensão era palpável.
– Pensando sobre?
– Não sei como te dizer..
Ela hesitou em perguntar, pois não tinha certeza se gostaria de ouvir. Ele hesitou em falar, pois não tinha certeza se deveria falar.
– Fala..
– É sobre a gente.
Ela sabia. Quando ela sentou na sala, já sabia que isso aconteceria inevitavelmente. Olhou para a frente e deixou seu olhar se perder no branco da parede.
– Não sei como começar.. como explicar..
Ela permanecia concentrada na brancura alva daquela parede. Como podia aquela parede tão branca? Olhava atentamente e não se via uma mancha, um resquício de sujeira.. branco puríssimo..
– Bruna.. tenho pensado muito em tudo o que está acontecendo..
Aquela pureza tocava o seu coração. Branco. Qual seria o nome daquele branco? Branco gelo? Branco puxado pro creme? Quantas tonalidades de branco eram possíveis? Lera uma vez que os esquimós conseguiam distinguir algo em torno de dezessete tonalidades de branco. Onde foi que lera isso mesmo?
– Isso não está certo.. não estou sendo bom para você…
Aquela parede branca e sólida a sua frente. Por que nunca antes tinha reparado nela? Aquele branco lembrava neve.. apesar de nunca ter visto neve na vida. Mas pelas fotos, a neve deveria ter um branco parecido com esse que estava a sua frente. Dizem que o branco é a mistura de todas as cores. Estranho todas as cores vivas e fortes misturadas resultarem naquele branco tão calmo e neutro..
– Bruna.. talvez você não entenda agora, mas eu sei que no fundo você também sabe que será melhor assim..
Percebeu uma leve fissura no canto esquerdo, bem próximo ao teto. Ou seria um risco de sujeira? Não dava para distinguir pela distância. Numa primeira olhada, o branco era perfeito em toda a sua extensão. Aquela coisa que parecia uma fissura parecia desaparecer de acordo com o ângulo com o qual observava a parede. Engraçado isso. Tantas coisas na vida parecem diferentes dependendo do ângulo com o qual as observamos. Assim como a parede de branco neve.
– Espero que você possa me entender e possamos ser amigos..
Gostava daquela parede branca. Decididamente, sua casa teria todas as paredes brancas. Paredes brancas não ocultam coisas. A sujeira não se oculta, muito menos a poeira. Deveria ser trabalhoso manter uma parede branca sempre limpa. Talvez fosse mais fácil um vermelho berrante ou verde água. A sujeira não apareceria tanto. Cores mais alegres e vibrantes que ocultavam pequenas sujeiras de forma despercebida a nossos olhos. Mas não era preferível a pureza reveladora do branco à falsa imagem de perfeição das cores demais?
– Bruna.. você está me ouvindo?
O alto preço do branco. Estaria disposta a pagar por isso? Não sabia. Talvez a vida fingida fosse mais simples e menos desgastante. Mas não seria ao mesmo tempo mais vazia?
– Bruna..
– É por causa de Amanda, não é?
– O quê?
– Amanda! Sua ex.. é por causa dela, não é?
– Por que diz isso?
Queria o branco ou alguma das cores diversas em sua vida?
Já sabia a resposta. Já o sabia há muito tempo. Talvez mais tempo do que ela gostaria. Faltavam apenas as justificativas para si de sua escolha. Ou a coragem para arcar com as consequências dessa escolha. Ou tempo para se sentir preparada. Talvez nada disso, talvez a soma de tudo isso. Medo. Sentia muito medo.
– Eu sempre soube..
– Soube do quê? Do que está falando?
O branco transmitia paz à sua alma. Ainda sentia medo. Não estava preparada. Mas na vida, não há tempo para isso..
– Nas noites que você acorda no meio da madrugada.. suas noites de insônia.. você chama por ela enquanto sonha..
Por várias vezes, chamava por ela em seus sonhos. Nunca imaginou que Bruna ouvia seus chamados por Amanda. Há quanto tempo ela já sabia?
– Eu sempre soube, Eduardo..
Ela parecia estar lendo seus pensamentos.
– Bruna.. olha.. não é o que você está pensando..
Uma brancura tomava conta de seu ser. Era um branco neve. Gelada, assustadora. E o gelo a estava anestesiando aos poucos. Nada mais importava. Já não havia volta. Apenas prosseguir.
– Eduardo.. eu estava disposta a esperar o tempo que fosse necessário..
– Bruna..
– Sabe de uma coisa? Você é um idiota! Eu estive esperando por você. Não tinha pressa.
Ele não sabia o que dizer. Havia imaginado as coisas de forma diferente.
– Eu esperaria toda a vida por você. Mas você não teve paciência. Não soube ver.. Idiota!
Ela levantou-se e foi até o quarto. Calmamente, vestiu suas roupas. Seu rosto era sereno. A neve a havia congelado por dentro. Não sabia como faria depois que o gelo derretesse. Mas isso já não importava. Já não havia mais volta. Pegou sua bolsa, olhou no relógio. Seis e meia. Se corresse um pouco, daria para tomar o café da manhã na padaria na esquina do trabalho. Olhou-se no espelho, arrumou o cabelo e seguiu até a sala.
– Bruna.. desculpa..
– Obrigada, Eduardo.
Ele ficou observando ela fechar a porta atordoado. O que fizera?
– Bruna!!
Correu até a porta. Ela já não estava lá. Ouviu o som do elevador descendo. No tapete de sua porta, ela havia deixado as chaves do apartamento.
– Bruna..
O que acabara de fazer?
Droga! Droga! Droga! Correu até a janela. Não a viu pelas ruas. Onde estaria? Pensou em ligar no celular dela. Correu até o quarto. O seu celular. Onde deixara seu celular? Procurou por cima de suas roupas espalhadas pelo chão, ao lado do computador. Não encontrava em lugar nenhum.
Droga! Droga! Angústia. Sentiu uma angústia incontrolável. Bruna.. por que você se fora? Idiota! Ela tinha razão. Era um idiota! Um completo idiota!
Idiota! Idiota! Ficou a repetir para si mesmo. Sentia-se sozinho. Queria gritar, mas sabia que ninguém ouviria. Estava sozinho. Deixou seu corpo cansado desabar sobre a cama. Idiota! Sou um idiota! Completo idiota!
– Bruna.. volta pra mim..
Chamava por ela. Sozinho. Jogado na cama.
– Bruna…
Em sua mente só ouvia a voz de Bruna repetindo: idiota! Fechou os olhos e se entregou à dor.
Devaneio em sonhos – Parte II
Devaneio em sonhos – Parte I
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